SARTRE EM CLARICE LISPECTOR: A REPRESENTAÇÃO DO SER POR MEIO DO CEGO, NO CONTO AMOR
Resumo
Este estudo visa analisar o conto “O amor”, de Clarice Lispector. O conto, que é parte do livro “Laços de Família” (1960), tem se demonstrado, ao longo do tempo, um desafio para a crítica. E a partir das seguintes categorias apontadas por Sartre em O ser e o nada: olhar/ ser olhado, instrumentalidade (funcionalidade) e amor é possível propor uma leitura diferenciada. É esse o nosso maior objetivo nessa comunicação. No conto, a personagem principal, uma mulher tipicamente burguesa, tem sua rotina voltada para as atividades
domésticas, sem qualquer parada para reflexão e tomada de consciência de seu papel. Ela sequer parece ter ciência de que algum dia já foi independente e movida por outras engrenagens. Ana, dona de casa atarefada e “empenhada” em servir aos familiares (“pura funcionalidade”). Na freada brusca de um ônibus, Ana percebe a pacatez de sua rotina, a partir de um cego mascando chicletes, evidenciando, então, o momento epifânico, um instante do clarear da visão. Ora, um cego é um olho que não olha, é um olho sem função. A cegueira do homem confronta Ana com sua submissão aos estereótipos sociais
e esta é sua cegueira pessoal. Em busca de tais apreciações tender-se-á em foco para a perspectiva da teoria de Sartre (1997). Percebemos que é essa vivência que abre a Ana a dimensão do amor, por uma perspectiva de viver algo desconhecido num sentido muito específico (que aponta para as relações de gênero), e do qual a descrição fenomenológica de Sartre parece dar conta.