Pai contra mãe: a representação das relações assimétricas em Machado de Assis

Resumo

Este trabalho objetiva analisar o conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis, e discutir os principais aspectos narratológicos que revelam uma assimetria nas relações sociais entre as personagens. Candinho, protagonista do conto, apresenta dois tipos de comportamentos caracterizadores: na presença de alguém superior ou igual a ele na hierarquia social, comporta-se de acordo com a semântica do seu nome – mansamente. Porém, diante de alguém socialmente inferior a ele, como a personagem escrava, sua postura transfigura, abrindo mão da sua mansidão, e mostrando superioridade a esta personagem, fazendo uso de sua força para reprimi-la. De acordo com Alfredo Bosi (1999), nas relações assimétricas a regra geral é a disparidade, ou seja, a desigualdade social, pois sempre que alguém está acima ou abaixo do seu interlocutor, é convertido em o mais singelo dos diálogos com risco de humilhação para o fraco e de aliciamento para o forte. O cinismo do forte e a hipocrisia do fraco estão habituados nesse teatro de disparidades. Nesse sentido, a ironia do narrador machadiano expõe um quadro de assimetrias que não se limita ao poder financeiro ou a posição social, são disparidades a partir do “intervalo social menor” (BOSI, 1999), no qual em determinadas situações, por vários motivos, o indivíduo usa do poder que lhe é assegurado em prejuízo do outro. Assim, ao leitor desatento a fala do narrador machadiano pode parecer que advoga a favor dos escravocratas, mas a sua função verdadeira é de reprovação das práticas cruéis da escravidão e do cinismo da sociedade brasileira que fingia naquele contexto não ver tanta violência e desigualdade. Por isso, o cenário machadiano, neste conto, mostra-se bastante atual já que, a humilhante situação da escravidão e os conflitos relativos ao senhor escravo, mobilizam vozes de um Brasil que ainda não superou o racismo e a desigualdade social.