TRÂNSITOS ENTRE O EU E O OUTRO: UMA ANÁLISE DA POÉTICA AUTOBIOGRÁFICA EM BOITEMPO

Autores

  • Mirella Carvalho do Carmo Universidade Federal de Lavras- UFLA
  • Andréa Portolomeos

Palavras-chave:

Poesia, Autobiografia, Memória, Leitor, Boitempo

Resumo

O presente trabalho visa entender a configuração do espaço biográfico na poesia, centrando-se na autobiografia enquanto um gênero aberto e não linear. Essa discussão mostra-se incontornável para a problematização de uma leitura mais ingênua direcionada às memórias poéticas, haja vista que, conforme assinala Arfuch (2010, 2012), não há a possibilidade de haver uma transposição identitária literal entre o autor e o eu lírico, ainda que ambos apresentem o mesmo nome no relato de suas experiências e na vida empírica. Pensando nisso, discute-se, à luz de Pedrosa (2011), sobre a compreensão da subjetividade enquanto um efeito aberto de vivências várias que, por sua vez, engendra um olhar interrogativo sobre a questão da temporalidade. Este trabalho ancora-se também nas postulações teóricas de Hoisel (2019), Lejeune (2014), Smith (1971) e Iser (1996, 2002) para analisar a construção dos traços autobiográficos na lírica memorialística, bem como para investigar a postura astuciosa dos leitores diante dos registros poéticos das memórias. O trabalho propõe uma análise da trilogia Boitempo I (1968), Boitempo II – Menino Antigo (1973) e Boitempo III –Esquecer para lembrar (1979), de Carlos Drummond de Andrade, contando também com o aporte crítico de Candido (2000) e Villaça (2006) com o intuito de perceber o modo com que a energia mnemônica constante nas três obras selecionadas propicia a reelaboração poética do passado. Depreende-se deste estudo que a lírica memorialística de Drummond revela-se como um lugar de encenação das vivências de um sujeito múltiplo, imerso em sua contemporaneidade, fato que, em última análise, transforma a autobiografia em heterobiografia.

Referências

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Publicado

2022-06-26