TRAJETOS QUE CEIFAM VIDAS
O ESCANCARAMENTO DO RACISMO À EMPREGADA DOMÉSTICA NO CONTO MARIA, DE CONCEIÇÃO EVARISTO
Palavras-chave:
Trabalho doméstico, Trajeto, Mulher negra, Literatura brasileira, Conceição EvaristoResumo
Escritores contemporâneos negros têm buscado, na tradição literária moderna, escrever narrativas cuja vivência e história de vida não sejam desconsideradas do processo de escrita, mas incorporadas a ela. À vista disso, os estudos de gênero e, de modo especial, a crítica literária feminista, têm buscado focalizar obras com temáticas que outrora foram rechaçadas e estigmatizadas. Dessa forma, ao tomar como ponto de partida o conto Maria, de Conceição Evaristo, a proposta deste ensaio é discutir as representações do trabalho e da trabalhadora doméstica a partir da trajetória da protagonista do conto. Para isso, são utilizadas reflexões teóricas de autores diversos, a exemplo de Davis (2016), Ávila (2009), Collins (2000), entre outros. Por fim, as análises mostram que a personagem pode representar justamente o retrato de tantas outras Marias espalhadas pelo mundo, que precisam lidar com trabalhos cansativos, beirando a relações escravistas, a fim de poder sustentar-se e oferecer o básico a seus filhos. Além disso, também foi possível perceber que o trabalho doméstico incide diretamente na questão do tempo (ou da ausência dele), o que faz com que a personagem disponibilize mais tempo à vida familiar do outro do que à sua. Ainda, soma-se a isso o trajeto realizado a ônibus pela empregada, o qual poderia servir como um momento de descanso, não cumpre tal função mediante a violência racista e os discursos de ódio endereçados à personagem. Logo, a escrevivência evaristiana põe em cena a fria e cruel realidade a que a população feminina negra está costumeiramente submetida.
Referências
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